Escrito por Paula Oviedo Ferreira e Gabriela Knob,

15 minutos de leitura

3 ondas que provam que o ESG não é uma novidade

O ESG (Environmental, Social and Governance) começou a ser parte do interesse corporativo nos anos 90 como contrapartida à hostilidade capitalista vigente.

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Se engana quem acha que o ESG é um conceito novo. Essa sigla, que significa Environmental, Social and Governance (ASG — Ambiental, Social e Governança), começou a ser parte do interesse corporativo nos anos 90 como contrapartida à hostilidade capitalista vigente. O termo, no entanto, foi cunhado apenas em 2004, no Pacto Global em parceria com o Banco Mundial, e assim investidores dos mais diversos segmentos começaram a visar estas práticas.

Logo, empresas de todo o mundo foram estimuladas a buscar direcionamentos mais sustentáveis, que geram custos mais baixos, melhor reputação, maior resiliência perante vulnerabilidades e, por consequência, maior atratividade para estes investidores. Mas qual foi a trajetória da ESG da década de 90 até os dias atuais? Quatro ondas impactaram o que conhecemos hoje desta prática.

Primeira Onda: Do lucro inconsequente ao lucro minimamente consciente

Como dito anteriormente, no início dos anos 90 o capitalismo vivia sua época mais agressiva, visando lucro acima de qualquer política ou ideal. Isso não era apenas refletido nas relações entre organizações e fornecedores, mas também com clientes: matéria prima barata = baixa qualidade e preços mais competitivos. Isso significava nenhuma responsabilidade com concorrentes, fornecedores, colaboradores ou mesmo dos clientes finais.

No entanto, algumas empresas começaram a perceber que não era vantajoso pôr em risco estas relações. Trocar de fornecedores era custoso, e até mesmo a saúde no trabalho começou a ser repensada, uma vez que trabalhadores doentes produziam menos e começavam a trocar com mais facilidade de emprego. Perceberam também que clientes eram mais fiéis e compravam mais a partir de produtos de qualidade, mesmo com um preço mais elevado. Ou seja, pressionar todo o ecossistema para trazer mais margem de lucro estava, na verdade, trazendo mais prejuízos e investir na relação com stakeholders trazia mais benefícios de negócio para as organizações.

Nesse momento, foi a primeira vez que grandes empresas perceberam que forçar um produtivismo sem pensar em questões humanas envolvidas, não trazia as vantagens que eles acreditavam. Por isso, dizemos que este momento, onde o foco sai do lucro inconsequente para o lucro minimamente consciente, foi o primeiro impacto que políticas sociais, de governança e até mesmo de sustentabilidade tem nas atividades organizacionais. Mas nada seria o mesmo após a década de 2010, com a chegada da Geração Z no mercado de trabalho.

Segunda Onda: A entrada dos nativos digitais no mercado

A Geração Z foi a primeira a ser nativa digital: a internet não apenas era uma ferramenta, mas um elemento central do seu dia a dia. Há quem acredite que isso a tornou uma geração “vitimista e irresponsável”, mas na verdade, eles são uma das gerações mais bem informadas de todas. Não só informados como o impacto ambiental é uma preocupação que veio do berço. Enquanto os Y acreditavam que eram capazes de mudar o mundo e foram os primeiros a levantar a questão da sustentabilidade, são os Z que começaram a entender formas práticas de pressionar o ecossistema.

A nova geração quer saber quanto é a pegada de carbono de uma roupa ou do delivery que ela pede, se as pessoas que produziram tinham condições saudáveis de trabalho, a origem de matérias primas, crueldade animal, etc. Porém, a nova geração ainda é muito recente no mundo do trabalho, não está participando da liderança de empresas ou possui alto poder aquisitivo, por exemplo. Ainda assim, já elevaram muito a pressão em organizações com boicotes, greves, exposições nas redes sociais e crises de imagem. Cresce a necessidade de rastrear e transparecer toda a sua cadeia de produção, do fornecedor ao influenciador escolhido no marketing, e é aí que entram as políticas de ESG. Garantir que a empresa está dentro destas práticas é um trabalho árduo, que precisa de orçamento e planejamento específico.

Dois casos ficaram famosos:

+++ Unilever – Carbono Neutro: dona de 400 marcas como Dove, Knorr, Omo, Rexona, Kibon, Magnum e Axe – a Unilever visou os danos que as embalagens traziam ao planeta –, além do excesso na emissão de gás carbônico e descarte incorreto de resíduos industriais.

A empresa começou colocando nas embalagens dos seus produtos qual a pegada de carbono deixada, trazendo isso como um diferencial. Ainda, se comprometeram a zerar completamente a emissão de carbono até 2039, desde a origem até o ponto de venda.

+++ Amaro – Carbono Negativo: “Estamos fazendo de tudo para mudar o futuro do varejo e do planeta”, é o que diz a Amaro, marca de lifestyle de moda, beleza, bem-estar e casa. Indo além do Carbono Neutro, que tem aparecido bastante nos últimos anos, em 2021 a marca se tornou 100% carbono negativo. Isso significa 30 mil toneladas de CO2 sendo compensadas ao final do ano, o que equivale a uma área florestal preservada do tamanho de 18 estádios do Maracanã.

É interessante entender que, a partir do posicionamento de grandes empresas, muitas delas líderes dos seus segmentos, há uma movimentação de mercado que segue esse fluxo. A concorrência se obriga a repensar suas próprias estratégias não somente pela pressão dos consumidores, como pela pressão de outros players de mercado.

É importante salientar: os Z se importam não só onde vão comprar seus produtos e serviços, mas também onde irão trabalhar. De forma gradual, têm escolhido empresas que sejam antirracistas, com equidade de gênero, favoráveis ao meio ambiente. E, mesmo se trabalharem em empresas que não estão de acordo com seus valores, podem apresentar menor produtividade, maior rotatividade, etc. A pressão não apenas é para agradar essa geração como consumidora mas como talentos a serem captados nas organizações.

Terceira Onda: Além da Sustentabilidade, os Movimentos Sociais entram em cena

Após a entrada dos Z no mercado, grandes marcos ocorreram. Segundo o World Resources Institute (WRI), em 2020, o mundo perdeu 4,2 milhões de hectares de florestas tropicais primárias; De acordo a ONU, 1 milhão de espécies de animais e plantas estão ameaçadas de extinção; E, ainda, conforme a IQAir, em 2020, quatro em cada cinco países do mundo registraram mais poluição do que o recomendado. Esses são apenas alguns dos milhares de indicativos que evidenciam o preocupante cenário global.

Empresas, Governos e Instituições no geral, que não se preocupavam com essa temática, estão sendo obrigadas a olhar para questões ambientais, mesmo que de maneira inicialmente superficial. De acordo com o professor e especialista em investimentos ESG Fábio Alperowitch, em 2/3 do PIB mundial o carbono já é regulado; empresas terão cada vez mais que pagar pela poluição e investidores tendem a pressionar cada vez mais para que empresas foquem nessa agenda.

Durante muitas décadas, as questões ambientais foram evidenciadas por especialistas como tema de preocupação, mas negligenciadas por todos enquanto comunidade. Por esse motivo, hoje a sociedade precisa agir de forma muito mais ativa para tentar atenuar os erros do passado.

A partir disso e também somado a esse contexto de sustentabilidade, são endossados outros importantes movimentos que têm feito a sociedade se preocupar. Temas como a equidade de gênero, desigualdade social, equidade racial e uma série de outras questões surgem como pautas importantes na sociedade e que tendem a evoluir cada vez mais nos próximos anos. Os movimentos “Me Too”, “Black Lives Matter” e “Pride LGBTQIA+” escancararam pautas e problemáticas há muito tempo ignoradas pela comunidade. O que antes era visto e normalizado, começou a ser debatido amplamente, exigindo que as organizações se posicionassem. Ou seja, a preocupação ambiental aliada a relevância de temas sociais se traduzem em uma sociedade de pessoas — que, por sua vez, também são clientes — mais ativas, questionadoras e atentas aos movimentos das empresas. E, novamente, reforça-se o ESG como pauta esperada nas práticas das empresas.

Essas três ondas trazem um panorama geral de como as práticas ambientais, sociais e de governança se consolidaram — e continuam — na nossa sociedade. Esses movimentos acontecem de forma gradual e o seu debate vem ganhando relevância nos últimos anos. Mas também há outro fenômeno ainda mais recente que impactou o olhar de muitos consumidores sobre essas práticas: a pandemia.

Quarta Onda (Extra): A pandemia

No Brasil, historicamente há uma negligência muito grande à ciência. Falta de investimentos em pesquisa, desconfiança em informações científicas e disseminação de informações falsas são alguns dos exemplos que formam esse cenário. A partir do contexto de pandemia, no entanto, é posto em maior relevância informações e dados de caráter científico. Isto é, a população tem tido mais contato com esse tipo de embasamento – dados sobre número de contaminação, pesquisas sobre o comportamento do vírus, informações sobre o prevenção, etc – e, em parte, fica mais suscetível a estes tipos de informação como confiáveis.

Além disso, a pandemia também trouxe às empresas uma reflexão maior em torno do seu papel ao consumidor, como foi mostrado no Global Consumer Insights Pulse Survey, da PwC. Principalmente no início desse cenário, muitas empresas precisaram mudar sua abordagem ao se comunicar com seus clientes, relacionar-se com seus funcionários e se direcionar a seus stakeholders. O produto passou a estar em segundo plano e seus valores e cuidado com a sociedade começaram a ser cobrados com maior veemência. Algumas empresas passaram a investir mais em movimentos sociais, outras mudaram suas políticas internas com funcionários, mas de todo modo, todos foram impactados.

+++ A Natura, por exemplo, criou o Natura Saúde, uma solução de atendimento de saúde para suas consultoras;
+++ Magazine Luiza doou mais de mais 20 milhões de reais para projetos de combate à disseminação da covid-19;
+++ Nubank criou um fundo para apoiar seus clientes em atendimento médico e psicológico de forma remota.

E muitas outras empresas aproveitaram esse momento para se posicionar perante a comunidade. É claro que, com isso, também se traz à discussão outros temas relacionados a intencionalidade das empresas e assuntos como greenwashing e pink money entram em pauta (mas isso é assunto para um próximo artigo).

A covid-19 amplificou dores e trouxe novas pautas: pobreza, fome, desemprego. E não apenas isso, como trouxe as organizações como responsáveis por auxiliar a sociedade perante um Estado sobrecarregado. Quem antes não fazia ideia do que era ESG, foi pego pela pandemia tentando se adequar rapidamente às novas exigências. No entanto, a maturidade do mercado brasileiro sobre os processos ainda é muito baixa, o que responsabiliza também os detentores do conhecimento a democratizá-lo, trazendo um importante pilar: a transparência.

A relação entre ESG e tecnologia se conecta principalmente através deste pilar. A partir da mensuração de dados e informações, é possível utilizar soluções inovadoras no acesso às informações que ajudam na tomada de decisão. A velocidade em que as ações de ESG já não permitem mais um relatório que retrata apenas o passado: é preciso trabalhar a ideia de trazer dados em tempo real. Segundo o Diário de Comércio, a adoção de inteligência artificial, machine learning, deep learning e cloud permite não apenas o acesso aos dados da própria empresa como também das médias das iniciativas de ESG adotadas por outros players do mercado. Na pandemia, essa relação e comparativo entre players foi bastante benéfica para quem o ESG se destina: a sociedade como um todo. Isso salienta a forte relação potencial que se espera para o desenvolvimento deste mercado no solo brasileiro.

Conclusões

O ESG não é novo, muito pelo contrário, já percorre a história das organizações há mais de 3 décadas. Com os marcos ambientais que estão ocorrendo, é impossível ignorar a necessidade de se posicionar estrategicamente neste âmbito perante o mercado e os consumidores. E nunca se falou tanto sobre posicionamento: “não se posicionar, já é se posicionar”. As empresas já não estão sendo (e nem podem ser) tão neutras. Hoje, há uma preocupação muito grande, mas ainda não foi atingido o pico de poder de compra e de liderança que a Geração Z representa.
Dessa forma, inovações tecnológicas têm surgido visando ajudar empresas de todos os segmentos e portes a pensar e adequar sua cadeia produtiva às políticas de ESG, bem como a utilizar dados e informações de forma mais assertiva para este fim. Assim, a parceria entre tecnologia e organizações precisa visar não somente desacelerar os impactos no planeta como também trazer organizações para o presente e futuro do consumo.

Refências:
ESG
5 fatos sobre a realidade ambiental do planeta que você precisa saber
Geração Z: Como gerenciar os nativos digitais
Unilever planeja zerar a emissão de poluentes de suas marcas até 2039
Amaro: Moda Sustentável
Relembre nove empresas que promoveram ações sociais durante à pandemia
Controladores do Magalu e empresa doam mais 40 milhões de reais para ações de combate à covid-19
ESG: por que a tecnologia é decisiva?

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