Escrito por Revista Apólice,

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Para onde vai a inovação?

As tendências em produtos e serviços que estão na mira de startups e empresas inovadoras. Mercado brasileiro trabalha com a expectativa de ações que possam atingir uma nova parcela de consumidores.

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“Cibernética; eu não sei quando será; mas será quando a ciência estiver livre do poder; a consciência, livre do saber; e a paciência, morta de esperar”. Bem antes de escrever essa premonitória poesia musical, por volta de 1974, o cantor e compositor Gilberto Gil, nosso icônico artista da genuína MPB, mal sabia o significado da palavra “cibernética”. A letra dessa pouco difundida canção de Gil, que brotou dez anos antes de seu lançamento, após um papo com um amigo, sintetiza o esforço empreendedor daqueles que buscam fazer da ciência a tradução de desenvolvimento, seja na vida, na arte e nos mercados. Cibernética era a tradução de um “futuro” quase intangível e utopicamente livre naquele distante ano em que Gil compôs a letra. Mas aquele “futuro” transformou-se em um “hoje” palpável, transformador e, em suma essência, regido por uma única palavra: inovação. Ela está no espírito presente da sociedade moderna, em todos os campos possíveis que a norteiam.

A pandemia da Covid-19 trouxe consigo a tragédia já sem fronteiras, com milhões de mortos e sequelas em outros tantos que contraíram o vírus insidioso. Mas ela também acelerou processos inovadores no mercado de seguros, como, por exemplo, a digitalização, que atingiu vários setores. Esse mergulho profundo no mar de dados permitiu um estreitamento do consumidor com o mundo das apólices, mas a pandemia, em outra via, também despertou no consumidor uma percepção do risco que até então não figurava na realidade brasileira.

Quem disse, entretanto, que o trem que conduz a indústria de seguros está parado? A locomotiva da inovação segue seu trilho em escala global, como ressalta a analista Kimberly Harris-Ferrante, vice-presidente do Gartner, uma das mais conceituadas consultorias de tecnologia do mundo. Atenta às tendências de negócios e às tecnologias empregadas nas indústrias globais de seguros, a executiva, ressalta à Apólice que, embora a inovação seja um tema “quente” e “muito importante” para o setor de seguros, não significa dizer que todos os clientes do Gartner estão inovando radicalmente.

A executiva enfatiza que os últimos estudos do Gartner mostram que cerca de 10% das empresas estão fazendo transformações radicais, em que novos modelos de negócios estão sendo introduzidos, ou seja, novos produtos, novos mercados – alvo ou propostas de valor. “Ao trabalhar com empresas internacionais, grande parte da inovação radical vem de mercados maduros, mas estamos vendo bastante desse movimento na Apac (Ásia Pacífico). A América Latina foi mais tradicional no passado, com poucas inovações, incluindo empresas tradicionais lançando novos modelos de negócios, a introdução de insurtechs ou empresas disruptivas tentando quebrar a norma, avalia a executiva do Gartner.

“Nos mercados ocidentais, a nova concorrência está criando medos, o que também impulsionará a inovação. Na América Latina, novos concorrentes, como as insurtechs, são menos prevalentes, mas há algumas novas startups digitais no Brasil e no México que eu tenho visto que começarão a desafiar o mercado grande e estabelecido e a impulsionar novas formas de concorrência. A inovação é muito necessária porque a indústria é antiga e, como resultado, está madura para a inovação. Eles precisam pegar o atraso até certo ponto, e muitos estão no caminho para isso. As iniciativas digitais em seguros começaram há mais de 5 anos, mas avançam lentamente. Mas ele está se movendo. A inovação vai acontecer, só vai levar tempo”, explica a vice presidente do Gartner.

No mercado brasileiro de seguros, quando a pauta inovação vem à tona, um nome é sempre lembrado: Marcos Watanabe. Tecnólogo de segurança da informação com certificação profissional em data science e big data pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos, o especialista e cofundador da Suthub, uma plataforma para distribuição de produtos digitais de seguros, ele alerta para a falsa impressão de que o mercado de seguros brasileiro não inova.

“O mercado tem muitas inovações incrementais. Elas só são percebidas numa visão de tempo um pouquinho mais dilatada. Podem aparecer situações disruptivas, mas elas surgem com menos frequência. Por exemplo, esse aspecto de começar a se concentrar e a consolidar dados de uma forma mais adequada. Esse projeto que a Susep (Superintendência de Seguros Privados) está trabalhando no SRO (Sistema de Registro de Operações) é uma inovação disruptiva, demorou um pouquinho para fazer, mas ao longo do tempo vai dar muita visibilidade à Susep, muita informação que depois retornará ao mercado de forma digital, prevê Watanabe.

Diretor – executivo da Embratel para mercado financeiro, Antonio João Filho alerta para outro aspecto importante no processo rumo à inovação do mercado: o financiamento público. “Quando se fala em inovação de forma geral, acreditamos ser importante haver o financiamento público para o desenvolvimento científico e inovação tecnológica. No setor de seguros e financeiro, até pelo resultado positivo dessas empresas, há sim muito investimento em inovação. Essa inovação vem para ajudar a diminuir os gaps de oferta de produtos para bater a concorrência e, mais ainda, para reduzir os custos operacionais, pois as novas regulações, que impõe menores taxas de serviços e novas ferramentas que também reduzem receitas, como o Pix, precisam ser compensados com mais eficiência das operações. E isso só pode ser alcançado por inovação, frisa João Filho.

Head de soluções de seguros da Capgemini Brasil, Gustavo Leança reforça que o setor de seguros passa por uma irreversível transformação cujos reflexos serão permanentes: principalmente, porque as inovações que estão surgindo, além de apresentarem novas soluções e novos modelos de negócios, trazem resultados práticos para os clientes, distribuidores e provedores de seguros (seguradoras e insurtechs). “Criam valor real”, diz Leança, assinalando, porém, que nem todas as novidades e empresas inovadoras conseguirão se manter nos próximos anos, mas muitas delas deixarão em breve de ser “novidades” para se tornarem parte da realidade business as usual do mercado. “O mais interessante é que este movimento não está sendo puxado por apenas um tipo de player do mercado (insurtech ou seguradora ou qualquer outro), mas, sim, por todo o conjunto do mercado. Seguradoras, insurtechs, big techs, corretores e o próprio órgão regulador, a Susep, todos têm feito um movimento de repensar o modelo atual do mercado de seguros no Brasil e buscar novas maneiras de trabalhar a cadeia de valor.”

COMUNICAÇÃO: UM “CALCANHAR DE AQUILES”?

O verbo “segurar” citado por Watanabe tem um propósito que está associado a comunicação empregada pela mercado securitário para alardear ou não as inovações que fomenta. O especialista explica: “Ninguém presta muita atenção à informação de seguro. Mas tem muita coisa acontecendo, e quando se fala de estratégia de comunicação, (o silêncio) às vezes é até estratégico: ‘Não sei se vou falar muito agora. Deixa avançar um pouquinho mais aqui na frente e aí coloco a pedra fundamental.’ Depois, ele diz: ‘Olhem, saí na frente”. Mas por que a demora (para divulgar a inovação)? Mesmo conosco, da Suthub, demorou dois anos para que o mercado começasse a nos reconhecer. Fomos mudando, mudando e mudando. Quando o pessoal viu, falou: ‘O que estes caras estão fazendo aqui? Apareceram do nada?! Não, não apareceram do nada.”

O mercado está mudando, a exigência do consumidor idem. Esses dois fatores movimentam empresas, mas o que se percebe, como interpreta Caroline Capitani, vice-presidente de design digital e Inovação da ilegra, desenvolvedora de design, inovação e software, é que, embora o termo inovação esteja sendo amplamente divulgado, na essência, enfatiza a executiva, o que muitas companhias fazem é meramente se adequar. “A essência da venda de seguros é muito igual. O que percebemos é uma necessidade grande de refaturação e de transformação digital. Isso requer que elas mudem em alguns aspectos, em alguns processos, mudança de mindset (mentalidade) das pessoas e introdução de tecnologia. Se colocarmos uma das partes, só tecnologia, mas o modelo mental e os processos se mantiverem os mesmos, não adianta. Não é só a tecnologia o problema. Precisamos fazer, de fato, uma refaturação maior envolvendo processos, pessoas e tecnologia, alerta Caroline, reforçando que a celeridade precisa imperar no setor: “Isso tudo vai precisar andar a passos mais largos para que, enfim, o mercado passe de fato à inovação e não só adequações.

O sócio – líder do segmento de Seguros da KPMG no Brasil, Lucio Anacleto, diz que o caminho da inovação no mercado brasileiro é mandatório. Ele pondera, entretanto, o que norteia a errónea percepção de que há estagnação nos processos inovadores do seguro. “Talvez a maior dificuldade, quando você fala em estagnação, é prevermos a curva de aceleração e qual o impacto dela no curto prazo, porque inovação depende de alguns fatores importantes. Todo mundo quando pensa em inovação, pensa em tecnologia, o que está certo, é uma das formas, mas não é só a tecnologia. Há outros elementos importantes que o setor de seguro tem experimentado e que tem espaço para continuar inovando. Um deles, por exemplo, é a cultura das pessoas que utilizam novos produtos e serviços mais inovadores, se traz novos modelos de contratação para usufruir os direitos adquiridos, se traz novos benefícios e recompensas atrelados, se melhora a comunicação. Vejo que tem muita gente imbuída com esse mindset. Isso é um ponto relevante. O outro é o órgão regulador, que tem atuado para trazer mais estabilidade, dar algum nível de segurança para o consumidor seja através do sandbox, que é um pedaço pequeno, ou através da regulamentação. Isso tem ajudado muito na abertura do mercado e a motivar inovação. Em terceiro é a questão do investimento.”

O QUE VIRÁ POR AI?

Em meio a toda essa discussão há, porém, uma expectativa positiva de que a inovação se manterá firme em 2022 no mercado de seguros, apontando oportunidades que, bem aproveitadas pelas companhias, resultarão em produtos cada vez mais flexíveis para o consumidor, e a inteligência artificial pode ser a protagonista da vez no setor. “Acredito que exista muita oportunidade de automação enfatiza Caroline Capitani, citando como exemplos a inteligência artificial e a utilização de dados para o desenho de produtos e estratégia de comunicação com o consumidor.

Mas o domínio dos dados referindo-se ao mercado global de seguros, ainda é baixo,  como alerta a consultora e vice presidente do Gartner Kimberly Harris-Ferrante:

“O seguro digital inclui o conceito de usar e combinar dados obtidos digitalmente e os dados já existentes. No entanto, o domínio dos dados é baixo no setor de seguros. Estudos do Gartner mostram que a maioria das organizações ainda não possui governança de dados para que isso aconteça. Eles não têm liderança neste quesito ainda que funções como Chief Data Officers estejam em ascensão. As estratégias devem incluir o uso de modelagem preditiva, machine learning, inteligência artificial e análises avançadas para áreas de negócios como gestão antifraude, atuarial, sinistros etc. Muitos estão começando a se concentrar em aproveitar os dados internos existentes, mas isso fornece apenas parte da resposta. Aproveitar os dados de terceiros é essencial para ver o panorama geral e contextualizar a interação (por exemplo, dados telemáticos do carro sobre um acidente ou dados compartilhados pelo cliente sobre necessidades de eventos da vida)”, orienta Kimberly.

ÁREAS SENSÍVEIS

Há, contudo, áreas mais sensíveis do setor de seguros, como a de distribuição, que devem alcançar novos patamares de novidades. Kimberly ressalta que um dos principais desafios para um setor com viés conservador é aceitar a mudança. Como opina a especialista americana, romper os modelos de negócios tradicionais é difícil para muitas empresas, pois geralmente enfrentam a resistência do mercado e dos funcionários. “É importante construir programas eficazes de gerenciamento de mudanças que abordem esses desafios, com comunicação interna e capacitação. Também é fundamental usar a tecnologia em uma abordagem equilibrada. Por exemplo, equilibrar a inteligência artificial para subscrição automatizada versus usá-la para auxiliar os subscritores para que façam melhor seu trabalho, sugere.

Mas é fundamental compreender as necessidades do usuário, completa Kimberly. Pesquisas do Gartner -assinala a consultora- mostram que os consumidores ainda desejam interação humana durante o atendimento ao cliente e nas vendas. Enquanto a compra on-line está aumentando lentamente, o seguro é um negócio emocional e, durante as análises e vendas, eles preferem a empatia humana. “As estratégias omnichannel devem incluir isso. As seguradoras devem entender realisticamente as necessidades emocionais e de empatia do consumidor para serem bem-sucedidas, e isso deve incluir o aprimoramento da experiência humana – não apenas a implantação de canais digitais. Focar em novos conceitos como modelagem comportamental, análise de sentimentos e atendimento personalizado é essencial para o sucesso da inovação. Focar também em como implantar tecnologias com segurança é fundamental”, conclui Kimberly.

SURGIU UMA BOA IDEIA! E AGORA?

Consultores e executivos do setor reconhecem as dificuldades da indústria securitária para caminhar, de fato, até a inovação. Mas existem ideias, e muitas delas excelentes, brotando em um mercado que ainda busca o amadurecimento. Mas, pelo visto, parece estar no caminho certo. “Hoje, as seguradoras estão lançando produtos mais rapidamente do que no passado”, aborda Marcos Watanabe.

Mas há quem ache o contrário, ou seja, que o emprego de áreas de inovação nas companhias de seguros ainda é pouco explorado, e não seria uma peculiaridade de seguradoras brasileiras, mas, sim, um contexto internacional do setor. “A maioria das seguradoras não possui programas de gestão da inovação. Daqueles que o fazem, eles têm programas que variam de imaturos a maduros, com os maduros tendo programas formais de ideação, modelos de financiamento, liderança, avaliação e avaliação de criação de valor, métricas (métricas anuais sobre quanta inovação deve acontecer e como ela é medida). Alguns cargos, como diretores de inovação ou transformação, estão surgindo. O principal problema para aqueles que não têm programas é a cultura. As empresas precisam incentivar o ‘pensar fora da caixa’ e fazer com que as pessoas tenham novas ideias – até mesmo tornando isso parte de sua descrição de trabalho. Se a inovação não for financiada ou incentivada/recompensada, ela não acontecerá”, reforça Kimberly.

 

Texto originalmente publicado na revista apólice

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